quarta-feira, 30 de abril de 2008

Plano encruzilhado

Há 22 anos, eu saí da escola em que estudava e, no caminho de casa, parei para comprar um picolé no carrinho de sorvetes que ficava em frente ao portão da minha escola. O dono do ponto era um tal Pereira – seu Pereira para ser mais exato –, um indivíduo que fazia ponto na porta do Colégio Diocesano de Itumbiara, no interior de Goiás (onde passei grande parte da minha infância). O seu Pereira vendia picolés, laranjas e cajamangas verdes com sal aos alunos e pais durante as entradas e saídas dos três períodos letivos do colégio.

Naqueles tempos de inflação galopante, era comum perguntar o preço até das coisas que você comprava usualmente. Não se dizia "quanto custa tal coisa", mas sim: "Quanto está o tal coisa". Era uma época em que, mesmo as pessoas mais simples que viviam do comércio tinha de calcular por quanto deveriam vender suas mercadorias, e, por mais simples e modestas que fossem tinham de determinar diariamente, quanto iriam custar as suas mercadorias. É óbvio que poucos, diria pouquíssimo, abriam os jornais para saber o índice de inflação e assim recalcular os seus preços. O seu Pereira tinha um procedimento bem singular, e não era diferente da maioria dos pequenos comerciantes. Se perguntávamos: "– Quanto está o picolé, seu Pereira". Ele nos dizia: "dois mil e quinhentos cruzeiros". Se alguém respondesse: - 'Está caro!' Ele imediatamente recalculava e dizia: "Então, dois mil e duzentos cruzeiros".

Por que eu resolvi trazer o seu Pereira das trevas mais profundas da minha memória. E foi justamente o seu Pereira o primeiro a me comunicar que de 28 de fevereiro de 1986, em diante a nossa moeda deixava de ser o Cruzeiro e se chamaria Cruzado. Naquela minha cabeça de moleque a moeda de um país era algo tão imutável, quanto a bandeira e o hino. Pensei tratar-se de mais uma de suas costumeiras gracetas do meu fornecedor de picolés. Não me fiz de rogado, peguei as duas notas de mil cruzeiros e as entreguei "cruzadas" para o seu Pereira.

Como podem ver, tudo na minha infâncai já prenunciava que eu seria um lobisomem.

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