terça-feira, 27 de maio de 2008

Ensaio Sobre a Cegueira

Ao contrário do que se pensa, a metamorfose em lobisomem é muito sutil.
Filmes comumente a mostram como um evento doloroso e penoso. Mas trata-se da dramatização da coisa toda, como em geral as artes fazem com tudo (Lamentavelmente, não houve Naturalistas que escrevessem sobre lobisomens).
Entretanto, na verdade, a transformação ocorre em questão de segundos e você mal percebe. Há nisso alguns perigos. Por exemplo, quando estou metamorfoseado, procuro me isolar do convívio humano, mas às vezes é inevitável. Principalmente, quando não se percebe que deixamos a forma humana e estamos na forma híbrida homem-lobo.
Isso já me causou inúmeros problemas. Certa vez, havia-me tornado lobisomem, sem perceber. Não notei sequer as pessoas que fugiam alucinadas de mim. Foi então que, no cruzamento da Rua Augusta com Alameda Santos, alheio a todo o corre-corre que minha aparência causava um ceguinho esperava pacientemente que alguém o guiasse até o outro lado. Sem me dar conta da bagunça toda, agarrei o ceguinho pelo braço e disse: "Vamos". E assim fomos nós, sinal aberto, carros transitando freneticamente. Alguns desviando, outros freando. Por muito pouco, não atropelam o cego e a mim.
Isso me fez lembrar um dos lobisomens mais célebres que se tem notícia (não vou revelar seu nome já que a discrição faz parte do nosso código de ética). Ele teria dito: "Ora, se um cego guiar outro cego, ambos cairão na cova"http://www.bibliaonline.com.br/acf/mt/15/14+.
Devia haver várias covas abertas na região da palestina durante o primeiro século. Infelizmente, para nós, em São Paulo há e ônibus e carros por todos os lados que geralmente não tem misericórdia dos distraídos. Eles são bem mais fatais do que covas principalmente se você é um cego sendo guiado por alguém que está temporariamente cego de suas reais condições.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Clemilda!


Muitos, que vêem minha condição, perguntam se eu sofro de hipertricose. Não, eu, na verdade, sou acometido por licantropia. Adiquiri esse mal depois de estudar por muitos anos em um Liceu (uh,uh,uh... eu sempre tive vontade de fazer essa piada filológica).

Apesar de a hipertricose ser conhecida como a síndrome do lobisomem (werewolf syndrome), não é esse o mal que a maioria de nós traz no sangue. Nosso mal é perfeitamente curável, por bem ou por mal, ao contrário da hipertricose.

Além disso, alguém acometido por hipertricose pode perfeitamente conviver em sociedade. Nós, os lobisomens somos seres por demais intratáveis e ambiciosos e nosso mal é contagioso, enquanto a hipertricose é congênita.

Um dos mais notórios hipertricóticos que já viveu foi Stefan Bibrowski, nascido em 1890 em Varsóvia, Polônia. Quando tinha apenas quatro anos de idade um agente de circo alemão o descobriu. Naqueles tempos em que trabalho infantil era algo normal, ninguém achou estranho que os pais de Stefan concordassem em exibir o filho em um circo de aberrações.

Stefan foi então rebatizado como Leonel, o garoto com Cara de Leão. Ele era apresentado como um garoto que nascera daquela forma porque sua mãe havia visto o pai ser devorado por leões. Isso para as pessoas do século 19 era uma explicação bem plausível para uma pessoa ter pêlos de 10 centímetros brotando da face.

Apesar de trabalhar como aberração de circo desde a infância, dizem que Leonel era inteligente: falava cinco línguas e sonhava em trabalhar como dentista. Talvez por possuir apenas dois míseros dentes (condição comum de muitos portadores de hipertricose).

Ser peludo garantiu a Leonel conhecer o mundo, excursionou por toda a Europa e estados Unidos. Apesar de não ter crescido muito ele tinha 1 metro e sessenta centímetros, passou a ser conhecido como: Leonel, o homem com cara de leão. Às vezes confundido com Jo-Jo, cara de cachorro.

Ele se orgulhava tanto de sua pelagem que certa vez, o hotel em que ele estava se incendiou e Leonel foi o primeiro a sair de lá, seu maior temor era ter seus cabelos queimados e se tornar um homem comum como qualquer outro.

Leonel morreu aos quarenta e dois anos, dos quais 38 foram dedicados ao circo.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Ai, a bruxa vem aí. Ela não vem sozinha...

Vocês se lembram da ex-deputada federal Ângela Guadagnin do PT?

Aquela da dança da pizza. Lembrou?

Pois é. O dia 31 de outubro é um dia especial para ela. Não por que é dia das bruxas (afinal, eu não sou muito afeito ao humor fácil). Mas porque é o dia do Saci.

Hoje descobri que o nosso Roberto Carlos de ébano, que vaga pelas nossas florestas trajando apenas um barrete vermelho tem também o seu dia. E graças à Ângela Guadagnin. Acontece que a "dancing queer" é autora da lei que institui o dia 31 de outubro como o "Dia do Saci".

Ela e o deputado Aldo Rebelo estavam muito temerosos com a, cada vez mais comum, celebrações do Halloween em nossas terras. Afinal, é uma festa tradicional dos USA, aqueles malditos imperialistas, não é verdade? E, como somos umas mulas-sem-cabeça, é possível que percamos nossa identidade cultural se continuarmos a comemorar uma festa dos ianques.

Assim, resolveram resgatar o folclore brasileiro e para isso chamaram o nosso Saci.
Por que será que escolheram logo o Saci? Logo ele que é um camarada tão globalizado: fruto da combinação de tradições européias, indígenas e africanas. Dos índios veio a idéia do ser que sai da mata para assustar os viajantes, dos negros africanos ele herdou o pito (aquele cachimbo) e a capoeira e dos europeus veio o píleo (que é o gorro).

O Saci – como todos nós (alguns de nós, na verdade), que sempre foi um cidadão aberto a outras culturas –, talvez achasse graça da preocupação dos deputados que o elegeram salvador do folclore brasileiro do imperialismo norte-americano. É possível que se animasse a fazer uma traquinagem. Quem sabe desse um sumiço nos R$ 425,95 mil que o deputado João Magno (amigo de Guadagnin) recebeu das contas de Marcos Valério. Ou ainda usasse de sua única perna para passar uma rasteira em Guadagnin, quando ela passasse toda sacolejante entre as mesas dos deputados comemorando a absolvição de seu amigo?

Não estou indignado porque não existe o dia do lobisomem. Para nós, dor de cotovelos tem outro sentido. Além do mais, o dia do lobisomem é o dia em que você encontra com um. Espere e verá.

Que o meu amigo Saci tenha o seu dia, nada contra. Mas não deixa de ser engraçado que, ainda hoje, o Halloween cause pânico a alguém.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Som e fúria

Mesmo depois de o Positivismo ter entrado para a história da filosofia, de ter milhões de objeções relacionadas à lógica e à filosofia da linguagem, eu ainda fico maravilhado ao descobrir uma Lei Natural.

Essa lei está baseada em duas grandezas inversamente proporcionais, i. e.: quando uma delas aumenta, a outra diminui na mesma proporção, ou, na diminuição de uma a outra aumenta em igual proporção.

Não me levem a sério, por favor, mas a lei natural que descobri é: a potência do aparelho de som do carro é inversamente proporcional à qualidade do seu gosto musical.

A constatação é empírica! Você se lembra de alguma vez ter passado por alguém ouvido Bach no último volume enquanto guiava um veículo cercado de alto-falantes por todos os lados? Claro que não. O repertório dessas figuras é sempre o pagode da pior espécie, o funk mais badalado do momento ou o putz-putz mais insuportável, isso quando evidentemente não é o hino do clube de futebol do infeliz.

Ok. Eu estou sendo preconceituoso. Mas que lobisomem não o é? Eu não tenho nada com o gosto musical das pessoas. Além do mais gosto musical não pode ser mensurado na mesma proporção que potência de um som (essa sim, uma medida).

Entretanto, se você liga o seu aparelho de som e escuta suas musiquinhas a volume saudável, o suficiente para permitir que o seu vizinho tenha uma vida própria, isso é problema seu. Aí pouco me importa se você ouve Beethoven ou Alexandre Pires. Agora, se você sai na rua esfregando o seu gosto musical nos tímpanos dos outros, esteja preparado para as críticas.


quinta-feira, 1 de maio de 2008

Bonzo Goes To Bitburg

Eu sempre gostei dessa música dos Ramones. Mas o que mais me agradou nela sempre foi o refrãozinho bem bonitinho: "No no-no-no, my brain is hanging upside down/ No no-no-no, I need something to slow me down" (que rimava down com, ora vejam, down). Eu sempre a cantei como uma canção sobre sair e arrumar algo para aliviar as suas preocupações do dia-a-dia.

Dia desses, com a música na cabeça (sempre o refrãozinho: No no-no-no, my brain is hanging upside down...), fui procurar a musiquinha na minha discografia dos Ramones. Foi quando percebi que o nome da música tinha um parêntesis (Bonzo Goes To Bitburg). Quem diabos é o Bonzo? E onde diabos é Bitburg?

Vamos à historinha da música:

Joey Ramone começou a escrever essa música em desagravo à visita do então presidente dos EUA Ronald Reagan ao cemitério em Bitburg, Alemanha Ocidental. Joey era judeu e teria ficado ofendido por Regan visitar um cemitério onde estavam enterrados vários membros da SS, além de outros Nazistas que haviam praticado atrocidades em campos de concentração, inclusive de terem assassinado prisioneiros de guerra estadunidense. A visita foi muito criticada nos EUA, tanto que o assessor de imprensa de Regan, Donald Regan, se defendeu dizendo que a maioria dos soldados enterrados ali eram apenas alemães mortos na Segunda Guerra Mundial, que nem sempre compartilhavam das idéias do nazismo.

O Sílvio Santos (que é meu leitor) a essa hora já está se perguntado: "- E o bonzo?" Bonzo era o mome de um chimpanzé do filme estrelado por Regan em 1951, Bedtime for Bonzo. Regan interpreta o Professor Peter Boyd, um estudioso que tenta ensinar a moral humana ao chimpanzé Bonzo. Para tanto, resolve simular uma família típica norte-americana com ele mesmo fazendo as vezes do pai e Jane Linden (interpretada por Diana Lynn) fazendo o papel de mãe. O filme teve ainda uma continuação sem Regan: Bonzo vai à faculdade).

Johnny Ramone, que era Republicano e apoiava Regan, não quis que o título da música fizesse referência, mesmo que indireta, à Regan e pediu que o nome da música fosse o refrãozinho: "My Brain Is Hanging Upside Down", por insistência dos outros membros da banda, o título original ficou entre parêntesis.

Quadrinhas de versos livre de Edna Cappanema

O Sexo.
Sim, era uma mulher frígida.
Mas, também, pudera...
Quando embrião
Passara seis meses congelada.

O Verão.
O Sol do Leste encontrou o Sol d’Oeste
E enquanto conversaram,
Trocando suas fofocas
Torraram a cabeça de todos os passantes.

O Nosferato.
A murissoca zumbinduivava pelas noites.
Chupava o sangue das vítimas
E antes do galo cantar
Voltava para o seu caixão.

O Tesão.
Só mesmo o Sr. Bombeiro, mangueira à mão,
Era capaz de apagar
Todo o fogo que havia
No convento Madre Clélia.

Edna Cappanema.

São Paulo, 13 de agosto de 1997