sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O deus dos livros

Quando o poeta Homero escreveu a Odisséia, uma das obras mais populares de todos os tempos, seu trabalho deve ter sido enorme.
Compor e reler e percorrer cada verso foi a sua odisséia pessoal. Os tipógrafos foram meticulosos em cada página impressa, naquele tempo o papel era um artigo caríssimo e o desperdício tinha de ser minimizado.
Além do mais, não foi fácil para o autor, um velho cego, convencer os poucos os editores atenienses de que seu livro era vendável; afinal, tratava-se de um longo poema sobre um herói muito popular na época.
Mesmo assim, ele encontrou quem apostasse na obra e a publicasse.
Têm-se poucos registros da noite de lançamento; acreditam que os autógrafos foram regados a vinhos e orgias. O deus dos livros na mitologia grega (como é o nome dele, mesmo?) deve ter sido louvado com a imolação de um boi.
Hoje, a Odisséia é um fenômeno literário, traduzida para quase todas a línguas conhecidas, vendeu milhões de livros graças ao esforço de todos aqueles que acreditaram, apostaram e trabalharam no projeto. Por isso, é necessário que se tenha em mente que quando se copia um livro, está-se quebrando essa cadeia produtiva, que envolve desde o autor, ao tipógrafo, revisor, editor, além de profissionais que estão indiretamente envolvidos nesse mercado, tais como entregadores, vendedores, motoristas etc. Isso coloca em risco a produção intelectual: já que sem o dinheiro das vendas dos livros, não há como se sustentar toda essa estrutura; e as obras literárias, filosóficas estariam fadadas a nunca serem publicadas. Um mundo sem livros seria um mundo de trevas.
Essa é mais ou menos a história que as editoras parecem nos contar.
Talvez por essa razão todos saibam que "copiar um livro é crime", mas poucos sabem que os direitos de uma obra caem em domínio público 70 anos após a morte do autor.
A obra de Homero chegou a nós, graças àqueles que o copiavam. Já que ele jamais escreveu uma linha de seus poemas. Seus versos foram cantados por diversos poetas, até que fossem registrados e depois reunidos em papel. A integridade da obra original nunca fora uma preocupação, cada um que a cantou tratou de modificar aquele trecho que lhe parecia estranho ou desagradável. Tudo isso contribuiu para que a obra se tornasse um dos pilares da cultura mundial. O poeta Ezra Pound, quando perguntado sobre que obra poderia ser a obra mais fundamental da literatura, apontou a de Homero.
A literatura, a ciência ou a filosofia nunca dependeram unicamente de algum meio para fluir. Elas apenas usaram desses meios para se difundir, quando este era o mais conveniente. Por isso, devemos olhar com desconfiança tentativas de se impor um meio de propagação à qualquer obra. Se se impusesse uma proteção aos direitos autorais de Homero, resguardando ao autor a exclusividade de cantar seus próprios versos, Odisséia e Ilíada talvez tivessem morrido com o poeta.